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Novos evangélicos?

Por Augustus Nicodemus Lopes

 

Um número da revista Época de agosto de 2010 trouxe reportagem de capa sobre a reação de diversos segmentos da igreja evangélica ao que se convencionou chamar no Brasil de “evangélicos”, especialmente após o crescimento das igrejas neopentecostais. A manchete era “Os novos evangélicos”, e a capa trazia a ilustração de um grande monumento religioso em construção, talvez em referência à réplica do templo de Salomão que está sendo erguida pela Igreja Universal do Reino de Deus em São Paulo.

 

A reportagem representa um avanço na maneira em que a mídia em geral trata os evangélicos, como se fossem todos farinha do mesmo saco. E farinha imprestável. Reunindo depoimentos de líderes evangélicos de diversos segmentos (incluiu um sociólogo ateu), o jornalista Ricardo Alexandre mostrou como todos eles concordam em dois pontos: rejeição às doutrinas e práticas das igrejas neopentecostais e desejo por uma mudança profunda nos atuais rumos da igreja evangélica brasileira.

 

Nesse assunto, nada a reparar. De fato, de pentecostais a episcopais, reações contrárias a essas igrejas, consideradas seitas por algumas denominações históricas, têm sido veiculadas abertamente por meio de blogs e livros. Já estava na hora da grande mídia ouvi-las e entender que nem todos que fazem reuniões onde o nome de Cristo é citado são necessariamente evangélicos ou mesmo cristãos.

 

Eu só fiquei um pouco desconfortável com dois ou três pontos da matéria que cito aqui. Estou à vontade para isso, uma vez que meu nome foi mencionado no artigo, ainda que de raspão.

 

1.   Achei que a chamada de capa é um equívoco histórico, pois “novos evangélicos” se aplica mais exatamente a grupos como a IURD, Renascer e Igreja Mundial, e não àqueles que reagem a tais grupos. Eu não me considero um “novo evangélico”, e sim um bem antigo, com raízes históricas na Reforma do século 16 e raízes teológicas nas Escrituras Sagradas. Não há nada de “novo” em nosso desejo de ver o antigo evangelho ser pregado corretamente em nossa pátria. Essas seitas é que chegaram ontem. Todavia, entendo o autor. Esses grupos neo- pentecostais cresceram tanto e influenciaram tanto a mídia e a opinião pública que viraram o padrão. Eles é que seriam “os evangélicos”. E quem não é como eles e quer mudanças é visto como o novo, a novidade.

 

Em certo sentido, foi o que aconteceu na Reforma. Os reformadores foram acusados pelos papistas de trazerem “novidades” à Igreja, ao pregarem que a justificação era pela fé somente. Lutero e Calvino retrucaram que estavam pregando as antigas doutrinas da graça, encontradas nos pais da Igreja e nos ensinos de Cristo e de Paulo. Eu entendo que para uma igreja como a de Roma, com vários séculos de existência, os protestantes pareciam nova seita. Mas, convenhamos, considerar episcopais, presbiterianos, batistas e assembleianos “novos evangélicos” é passar recibo para a pretensão desses grupos sectários de serem igreja evangélica legítima.

 

2.   Também achei que pode ter ficado a impressão para leitores menos avisados de que os reacionários estão unidos entre si e que se aceitam mutuamente sem problemas. Antes fosse. Mas nem sempre o inimigo do meu inimigo é meu aliado. Eu entendo que um dos principais focos da reportagem são as igrejas da prosperidade. Contudo, não posso deixar de ressaltar que aqueles que se levantam contra os abusos dessas seitas não são necessariamente aliados entre si. Na verdade, pode haver entre eles diferenças tão abissais como a que existe entre eles e as seitas da prosperidade.

 

3.   Denunciar o erro dos outros não nos absolve dos nossos. Se, por um lado, as seitas neopentecostais espalham um falso evangelho deformado pela teologia da prosperidade, por outro há os que também propagam um evangelho distorcido pelo liberalismo teológico e por heresias antigas. As seitas da prosperidade acabaram sendo demonizadas como a própria encarnação do antievangelho, a ponto de, conforme a reportagem de Época, se fazer necessária uma nova Reforma. Não discordo desse ponto, apenas considero que o enfoque nele acaba desviando a atenção de outras linhas de pensamento dentro dos arraiais cristãos que são tão prejudiciais quanto a teologia da prosperidade e que igualmente clamam por uma reforma.

Por exemplo: e aqueles que destroem a fé em Jesus Cristo e nos padrões morais do cristianismo? A mídia fica indignada com o mercenarismo dos pastores dessas seitas, mas aplaude os evangélicos que defendem o casamento gay, o aborto, a teoria da evolução contra o relato da criação, o relativismo moral, o sexo livre e o ecumenismo com todas as religiões. A mídia não consegue enxergar que o liberalismo teológico e a teologia da prosperidade são irmãos gêmeos e hipocritamente aplaude um e condena o outro.

 

Não me entendam mal. A reportagem está correta. E preciso deixar claro que esses grupos neopentecostais estão deturpando o evangelho de Cristo. Porém, é tendenciosa ao retratar os neopentecostais como a raiz de todos os males no meio evangélico, esquecendo o dano feito pelos liberais, pelos defensores de outro deus e pelos libertinos.

 

4.   Por último, acho que faltou mencionar que os chamados “novos evangélicos” concordam apenas que é preciso uma mudança, mas discordam entre si quanto ao modelo de igreja que deve ocupar o lugar dessas seitas. A Reforma do século 16, em que pesem as diferenças entre os reformadores principais, tinha uma mensagem relativamente uniforme e praticava um modelo de igreja que era basicamente igual. É só comparar as confissões de fé escritas por presbiterianos, batistas, episcopais, congregacionais e independentes, para verificar esse ponto. Já os tais “novos evangélicos”… bem, há entre eles desde os “desigrejados” — que desistiram completamente de qualquer coisa que se pareça com uma igreja —, até aqueles que desejam apenas expurgar o modelo tradicional de igreja dos acréscimos indevidos em sua doutrina, culto e prática, mantendo a pregação, o batismo e a ceia, além do exercício da disciplina para os membros faltosos.

E no meio ainda temos os emergentes, as igrejas em células sem liderança oficial, igrejas com liturgia inclusiva e por aí vai.

É aquela velha história… Grupos contrários se unem contra um inimigo comum e, após vencê-lo, começam a brigar entre si. A luta comum contra as igrejas da teologia da prosperidade está longe de representar uma nova Reforma. Quando esta luta terminar — se é que vai terminar um dia —, teremos de continuar a outra, mais antiga, que é contra o liberalismo teológico fundamentalista, o relativismo moral, o pluralismo inclusivista e o libertinismo que assolam os evangélicos no Brasil muito antes de Edir Macedo abrir seu primeiro templo. Para mim, essas coisas são até mais perniciosas, pois, enquanto as seitas neopentecostais criam igrejas e comunidades próprias, os liberais se infiltram nas estruturas e igrejas criadas por conservadores e drenam seu vigor até deixar somente a carcaça.

Fonte:

O ateísmo cristão e outras ameaças à Igreja. Pg. 25 a 29 – Novos evangélicos?. Augustus Nicodemus. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.

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