Por Jhon Stott
Alguns leitores podem estar surpresos com a pergunta, porque nunca pensaram que todos os charismata implicassem em milagre. Todavia, a pergunta precisa ser feita, porque agora parece que algumas pessoas dão a impressão de que a palavra "carismático" é mais ou menos sinônimo de "miraculoso". Nossa resposta à pergunta precisa começar com a repetição de alguns dons que, longe de serem miraculosos, parecem ser bem comuns, até prosaicos. Não há nada de miraculoso nos dons de ensino e exortação, dar dinheiro e exercer misericórdia. Também não há razão óbvia, a concluir das palavras, para pensar que "palavra da sabedoria", "palavra do conhecimento " ou "fé" (1 Cor. 12:8,9) sejam ou incluam milagres. Nada no texto ou me contexto sugere isto. A interpretação natural é que eles se referem a uma medida especial de sabedoria e conhecimento (somada ao dom de comunicá-los) e um grau especial de fé, obviamente não para justificação ou santificação, mas para um tipo especial de ministério. Alguns exemplos do Antigo Testamento são Salomão, que recebeu o dom da sabedoria, e os heróis de Hebreus 11, que receberam o dom da fé. No mesmo sentido, Paulo e Pedro chamam "servir" de dom espiritual (Rom. 12:7, 1 Ped. 4:11). O verbo diakoneo é comum e pode referir-se a qualquer tipo de serviço, pastoral ou (o que é mais provável) prático. Ho diakonon é o garçom que serve à mesa (Luc. 22:26s.) e a mesma palavra é usada para o trabalho doméstico de Maria (Luc. 10:40). Depois, Paulo menciona em 1 Coríntios 12:28 dois charismata traduzidos por "socorros" e "governos" (antilempseis e kuberneseis). A primeira palavra aparece somente aqui no Novo Testamento, mas é corretamente traduzida por "ajudas" ou "atos de ajuda". Parece ser outro termo geral como "serviço". Kuberneseis, por sua vez, significa "administração", e o Léxico de Arndt-Gingrich acrescenta que "o plural indica provas de capacidade para ocupar uma posição de liderança na igreja". A palavra cognata kubernetes é o "timoneiro", o "piloto" ou, mesmo, o "capitão" de um navio (Atos 27:11), vindo a ser aplicada figuradamente, no grego clássico, para pessoas em posições seculares de liderança como, por exemplo, o governador de uma cidade. Kuberneseis parece ser, então, o dom de guiar ou dirigir outros, talvez, incluindo a capacidade de distribuir responsabilidades para partes do programa da igreja, ou a liderança de presidir uma reunião e "pilotar" com sabedoria os procedimentos de uma diretoria. O que dizer, então, dos dons miraculosos? A "operação de milagres" e os "operadores de milagres" já dizem pelo nome que envolvem milagres; o mesmo acontece provavelmente com "dons de curar, "curas", bem como "variedades de línguas" e "interpretação de línguas" (1 Cor. 12:9,10,28,29). Presumindo que todos estes são dons miraculosos, surge a pergunta: Será que eles ainda são concebidos nos dias de hoje? É estranho como as pessoas em geral têm rapidamente a resposta pronta, seja um simples "sim" ou "não", sem verificar primeiro se há uma doutrina bíblica de milagres, à luz da qual esta pergunta possa ser analisada e respondida. Aventuro-me a dizer que tanto "sim", quanto "não" são respostas extremadas. Um "não" dogmático, talvez, acrescido de: "Milagres não acontecem mais hoje" ou, pior: "Milagres não podem acontecer", é uma posição impossível de ser mantida por um cristão. O Deus em que cremos é o Criador livre e soberano do universo. Ele sustenta tudo pela palavra do seu poder. Toda a natureza lhe está subordinada. Ele não somente pode operar milagres, mas ele também tem feito milagres. Quem somos nós para restringir seu poder e dizer-lhe o que pode ou não fazer? Todavia, a posição oposta também parece ser insustentável. Em sua forma mais extrema, ela diz que quase tudo o que Deus faz é miraculoso. Entretanto, por definição, um milagre é um evento extraordinário, um desvio criativo da maneira normal e natural pela qual Deus age. Se milagres fossem coisas comuns, deixariam de sê-los. No entanto, alguns cristãos vêem a atuação de Deus somente no que é milagroso. Eles fizeram dele um tipo de mágico. Todos precisamos urgentemente compreender a revelação bíblica do Deus vivo cuja maneira primordial de agir na natureza e na história, não é nem sobrenatural e nem miraculosa. Deus é o Altíssimo, que controla o reino dos homens (Dan. 4:32), e que "considera as nações como um pingo que cai dum balde" e "as ilhas como pó fino" (Isa. 40:15); "Deus é o juiz: a um abate, a outro exalta" (Sal. 75:7). Também é ele quem faz seu sol nascer e quem envia a chuva (Mat. 5:45), quem mantém a regularidade das estações (Gên. 8:22; Atos 14:17), quem comanda o ímpeto do mar (Sal. 89:9), quem alimenta as aves e veste as flores (Mat. 6:26,30), e quem tem o fôlego do ser humano em sua mão (Dan. 5:23). A partir do momento em que virmos o Deus vivo constantemente em ação, através dos processos da história e da natureza, começaremos a perceber, por exemplo, que toda cura é cura divina, seja com ou sem o uso de meios naturais, psicológicos ou cirúrgicos. Sem estes meios, a cura pode ser chamada, corretamente, de "cura miraculosa", com o uso de recursos disponíveis ela pode ser chamada de "não-miraculosa", mas as duas possibilidades são igualmente "cura divina". Uma forma menos extrema desta segunda posição é a afirmação de que, apesar de que nem tudo o que Deus faz é miraculoso, ele quer que os milagres sejam elementos regulares de nossa vida e ministério nos dias de hoje, como acontecia com nosso Senhor e seus apóstolos. Mas isto também não pode ser sustentado de maneira séria por pessoas que firam sua doutrina de milagres da Bíblia. A Bíblia contém muitas histórias de milagres, mas ela não é somente um livro de milagres, assim como o Deus da Bíblia não é somente um Deus de milagres. Grandes porções da história bíblica não contém um único registro de milagre. De João Batista, que Jesus chamou de maior homem da antiga dispensação, é dito especificamente que ele não fez nenhum milagre (João 10:41). Na verdade, quando começamos a identificar onde os milagres estão na Bíblia, descobrimos que eles se agrupam como estrelas no céu noturno. Existem quatro constelações principais. A primeira concentração é a época de Moisés (as pragas do Egito, a passagem pelo Mar vermelho, o maná, a água, etc.). A próxima é a época de Elias, Eliseu e de outros profetas; a terceira é no ministério do próprio Senhor Jesus, e a quarta no dos Seus apóstolos. Acontece que estas são as quatro épocas principais em que houve revelação – a lei, os profetas, o Senhor e os apóstolos. E o principal propósito dos milagres era confirmar cada novo estágio da revelação. Por exemplo, o fato de que Moisés era um profeta especial ("a quem o Senhor conhecia face a face") foi confirmado por seus milagres especiais ("Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, ... no tocante a todos os sinais e maravilhas, que, por mando do Senhor, fez..." – Deut. 34:10,11). De maneira semelhante, o ministério do Senhor Jesus foi "aprovado por Deus ... com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele..." (Atos 2:22). Assim Deus também testificou da mensagem das testemunhas oculares apostólicas "por sinais, prodígios e vários milagres, e por distribuições2 do Espírito Santo segundo a sua vontade" (Heb. 2:4). Por esta razão é correra chamar o livro de Atos de "Atos dos Apóstolos", porque todos os milagres que Lucas registrou neste livro foram feitos por apóstolos (veja Atos 2:43; 5:12); as duas únicas exceções são de dois homens que os apóstolos tinham comissionado pessoalmente, pela imposição de mãos (6:8; 8:6,7). Também os sinais que Paulo fez foram chamados por ele de "credenciais do apostolado" (2 Cor. 12:12). 3 Então, qual deve ser nossa atitude diante de milagres que são ditos acontecerem hoje? Não deve ser nem uma incredulidade obtusa ("não acontecem mais milagres"), nem uma credibilidade impensada ("É claro! Milagres estão acontecendo o tempo todo"), mas uma atitude de mente aberta, de averiguação: "Eu não conto com milagres corno algo comum nos dias de hoje, porque a revelação especial que eles estavam confirmando já está completa; mas, sem dúvida, Deus é soberano e livre, e é bem poOssível que haja situações especiais em que lhe apraz fazer milagres".
Retirado do Livro: Batismo e Plenitude do Espírito Santo, Jhon Stott
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