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O que é a maldição hereditária Bíblica?

Você já deve ter ouvido falar muito de maldição hereditária (ou maldição de família ou pecado de geração), pois se trata de assunto muito popular no meio evangélico. Essa visão teológica defende que certas pessoas estão sujeitas a maldição por terem nascido em determinada família ou local. A origem para esse problema seriam pecados de antepassados, palavras inadequadamente proferidas por eles, bens “contaminados” que passaram de pai para filho, etc.
 
E esse tipo de problema geraria consequências terríveis para as sucessivas gerações, como alcoolismo, propensão ao adultério ou à lascívia, doenças, etc. Tudo isso seria causado por demônios que atuariam junto àquela família, ou grupo social, ou cidade, ou até mesmo um país.

Foi desenvolvido todo um universo de práticas relacionadas com o combate à maldição hereditária, que vão de cursos e seminários para formação de especialistas na sua quebra, até cultos e outras ações pastorais inteiramente voltadas para esse assunto, que sempre contam com grande interesse do público.

O conceito de maldição hereditária foi desenvolvido no final da década de setenta por líderes pentecostais norte-americanos, como Kenneth Hagin. Aqui esse tipo de teologia encontrou terreno fértil, como forma de combater as religiões de origem africana e o espiritismo, bastante populares entre nós. Mas, infelizmente, esse movimento tem feito mal a diversas pessoas, como mostrarei adiante.

A justificativa para a teologia da maldição
Antes de tudo, é preciso ver o embasamento que os defensores desse pensamento julgam ter. O texto básico para isso é Êxodo capítulo 20, versículo 5, onde está dito que Deus visita a iniquidade feita pelos pais, nos filhos, até a quarta geração. Por esse raciocínio, os pecados dos pais poderiam gerar maldições transferidas para seus descendentes. E como os descendentes, muitas vezes, acabam por pecar da mesma forma, a maldição iria se perpetuando indefinidamente, até ser quebrada.

Outro texto usado é Romanos capítulo 5, versículo 12, onde Paulo fala que todos os seres humanos sofrem consequências por causa do pecado de Adão, o primeiro homem. Ora, se há uma maldição hereditária causada por Adão, podem existir outras maldições do mesmo tipo.

Os problemas causados por essa teologia
Quando a maldição hereditária é diagnosticada, diz a doutrina que essa pessoa precisaria fazer algumas coisas para quebrar o ciclo negativo: por exemplo, a expulsão de demônios, descarte de bens “contaminados”, pedidos de perdão em nome dos antepassados, etc.

Mas, na prática, podem ocorrer três tipos de problemas. O primeiro deles é o excesso de diagnósticos de maldições – acabam sendo tantas as “ocorrências”, que as pessoas se sentem fragilizadas e inseguras.

O segundo problema é que, na ânsia de quebrar a maldição, as pessoas acabam sendo aconselhadas a fazer o que não deveriam, como difamar o nome dos antepassados, coagir familiares a confessar coisas sem sentido, descartar bens de valor, etc.

Finalmente, quando reaparece um “sintoma” espiritual parecendo apontar para uma “recaída”, a pessoa pode ficar extremamente confusa, por não saber se o problema foi de fato resolvido. Isso fica ainda agravado pelo fato de que os “remédios” receitados não são os mesmos, dependendo de quem lidera o processo de “cura”.

Encontrando descanso na Bíblia
Felizmente não há embasamento bíblico para esse tipo de problema. Em primeiro lugar, porque o texto do Êxodo acima citado se refere às consequências do pecado sendo sentidas pelas gerações posteriores. Por exemplo, filhos de pais alcoólatras podem sofrer de abusos, mal tratos, serem mal alimentados, etc, o que contribue para que eles, por sua vez, também se tornem alcoólatras, abusem dos seus próprios filhos, ou tenham problemas de saúde. Mas não se trata de uma maldição em funcionamento e sim da propagação das consequências dos pecados.

Em segundo lugar, a Bíblia nos diz que o filho não vai repartir a culpa com o pai e nem o pai com o filho (Ezequiel capítulo 18, versículo 20) – cada um é responsável pelos pecados que comete, inclusive perante a justiça dos homens. E é interessante observar que ainda em Ezequiel, quando alguém usa o ditado popular “os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que se embotaram”, Deus respondeu que esse provérbio não deveria nunca ser usado (capítulo 18, versículos 2 a 4).

Em terceiro lugar, porque no mesmo texto de Romanos acima citado, Paulo diz que o sacrifício de Jesus acabou com as consequências do pecado de Adão. Se Paulo estava mesmo falando de maldição hereditária, o que é muito questionado, tal problema acabou 2.000 anos atrás. E Paulo ainda fala que Jesus levou sobre si os nossos pecados e maldições e, por conta de suas feridas, fomos sarados.

Finalmente, porque a maldição bíblica nada tem a ver com pragas, “olho gordo”, etc, coisas tão comuns nas religiões de origem africana. A maldição bíblica decorre do pecado mas quem anda com Deus quebra o ciclo da  maldição daí decorrente.

Conclusão
Não existe a tal maldição hereditária – esse é um conceito desenvolvido recentemente que não tem respaldo bíblico. Esse desenvolvimento teológico, assim como diversos outros – por exemplo a Teologia da Prosperidade – nasceram na segunda metade do século passado e ganharam força por conta da sua novidade.

Certamente que há pessoas sinceras defendendo essas idéias e eu mesmo conheço diversas. Mas um erro sincero não deixa de ser um erro e pode causar prejuízos para pessoas que, também sinceramente, venham a acreditar nesse tipo de teologia.

Vinicius Moura

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