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O DÍZIMO COMO UM MANDATO PACTUAL


por Rev. Ewerton B. Tokashiki

A DIFICULDADE
Não é nova a discussão quanto à prática de se entregar o dízimo. Das polêmicas envolvidas não me refiro aos líderes de igrejas neoevangélicas, que em seu gritante e vergonhoso discurso buscam o lucro, explorando a ignorância e o sofrimento das pessoas (2 Pe 2:3). Por hora, pretendo apenas refletir quanto à contemporaneidade de se dizimar na igreja cristã. A arrecadação da igreja local é um assunto que divide vários intérpretes quanto ao seu significado e o modo como deve ocorrer. Todavia, a pergunta em foco é: hoje, devemos dizimar de toda a nossa renda e entregar à liderança da igreja da qual somos membros? Por que deveríamos fazer isto? Há alguma evidência de continuidade do Antigo Testamento que exija a sua obediência no Novo Testamento? A arrecadação visaria limitadamente suprir apenas as despesas comunidade cristã ou, ela tem um significado teológico mais amplo e um sentido nobre na vida daqueles que contribuem?
O DÍZIMO NO ANTIGO TESTAMENTO
Primeiro, devemos lembrar que o dízimo nunca foi um fim em si mesmo, mas parte menor de uma estrutura pactual. Lendo o Antigo Testamento percebemos na história da redenção que a prática de dizimar teve um processo crescente de significado na antiga Aliança. Alguns elementos foram continuamente sendo acrescentados no desdobramento histórico da revelação em que a adoração com Abel, a gratidão e o reconhecimento pela proteção em Abraão, o sustento providencial e obediência durante os quarenta anos no deserto sob a liderança de Moisés e a fidelidade nos dias de Malaquias somaram o nosso entendimento completo do como o povo da Aliança deveria dizimar ao Senhor. Ao separar a décima parte e consagrar ao Senhor, o indivíduo não estaria apenas devolvendo o exigido e pondo a prova o seu coração, ele também estaria reconhecendo a providência de Deus sobre a sua vida e confirmando a Aliança do Senhor consigo. Era uma forma de profissão de fé, primeiro diante de Deus, dentro do seu coração e para todos os demais, que o Santo de Israel era o Deus tudo o que ele era e possuía.
Deus não requeria apenas o derramamento de sangue de animais, ou porções dizimais das colheitas ou de qualquer outra propriedade que um membro da comunidade da Aliança produzisse. Muito mais do que sacrificar era exigido um espírito quebrantado diante de Deus e submisso ao Seu governo (1 Sm 1 5 :22; Sl 34:1 8). Ao dizimar o membro da Aliança negava qualquer possibilidade de paganismo, ou de idolatria, inclusive a avareza (Dt 8:1 -20; Cl 3:5 ). A motivação para tudo na vida foi declarado por meio de Moisés: “ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças” (Dt 6:4-5 ). Assim, os elementos essências como adoração, gratidão, reconhecimento, manutenção, obediência e a fidelidade estavam presentes conforme foram gradativamente acentuados em episódios históricos que marcaram o progresso da antiga Aliança. Deste modo, o dízimo foi revelado preceptivamente como algo ordenado e aceito por Deus, não como um ato legalista e meritório, mas como resposta de submissão do membro da Aliança.
Segundo, nem sempre se justificou a arrecadação do dízimo por causa de sustento ou outras necessidades (Ml 3:1 0-1 2). Embora o levante de dízimos se tornou mais evidente durante a construção e manutenção do Tabernáculo e, posteriormente do Templo de Jerusalém, deve-se observar que sempre houve a exigência de uma motivação espiritualmente santa em devolver o dízimo ao Senhor, por tudo o que Ele como Criador providencialmente concedia em Seu cuidado pactual para o seu povo. Deus deve ser em tudo cultuado e, um dos modos que Ele estabeleceu para isto, foi em ratificar que a Igreja da antiga Aliança correspondesse à Sua divina providência na décima parte dos seus bens. Este é um elemento que tanto a comunidade da antiga como da nova Aliança, resguardadas as mudanças de estrutura nestas duas dispensações, deveriam submeter-se para evidenciar a sua gratidão e fiel obediência ao Senhor Deus.
Tendo isto em mente deveríamos perguntar se há indicação de descontinuidade do dízimo na nova Aliança. Não seria correto limitar o mandamento do dízimo entre as leis cerimoniais ou civis. Devemos observar que ele esteve presente antes da instituição formal das leis cerimoniais e civis, em Moisés, e mesmo inserido entre elas, antecedeu e transcendeu a elas. Deste modo, concluir que o dever de se entregar o dízimo caducou, porque cessaram as leis civis e cerimoniais em Cristo é um argumento desprovido de base, porque não responde o motivo dele ser entregue antes de Moisés, nem explicaria o motivo porque deveria cessar na nova Aliança. O reconhecimento da fiel providência de Deus, bem como o dever de responder ao Senhor por meio de seus bens, devolvendo a décima parte, é um dever moral de todo membro da Aliança, em qualquer período. A Confissão de Fé de Westminster declara que:
“A lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isto não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não desfaz de modo algum esta obrigação, antes a confirma.” (1 Jo 2:3-4, 7; Rm 3:31 ; Tg 2:8, 1 0, 1 1 ; Rm 3:1 9; Mt 5 :1 8-1 9).
O mandato do dízimo dentro da Aliança estende-se além de Israel como comunidade pactual, de modo que antes de iniciar em Abraão, e depois de deixar de ser uma nação teocraticamente instituída, e isto, após o período do exílio babilônico, durante os dias de Malaquias o dízimo não deixou de ser observado e perdurou entre os judeus até a primeira vinda de Cristo e, foi confirmada pelo Senhor como um dever sobre os seus discípulos.
O DÍZIMO NO NOVO TESTAMENTO
A questão que geralmente se levanta é quais textos neotestamentários ensinam explicitamente que se deve continuar dando o dízimo? Agora lendo o Novo Testamento, como testemunho e ensino da comunidade da nova Aliança, não encontraremos desabono à continuidade do mandato do dízimo. Seria suficiente para a nossa conclusão de descontinuidade ler apenas um, ou dois textos que declarem sobre o assunto? Sei que o argumento do silêncio é uma faca de dois gumes, mas visto que o evangelista Mateus registra o Senhor Jesus atribuindo continuidade à prática dos dízimos (Mt 23:23), inaugurada a nova Aliança, não há motivo porque ele teria cessado após a Sua ressurreição, ou, após o evento do derramamento do Espírito Santo, no Pentecostes. A comunidade da Aliança foi despida da sua antiga estrutura cerimonial e civil, mas não das responsabilidades e submissão à providência divina. A justificativa “para que haja mantimento em minha casa” possui a sua continuidade na atualidade (Ml 3:1 0-1 2), porque durante a nova Aliança ela tem o dever de alcance universal de proclamar o inaugurado Reino de Deus.
Segundo Paulo a igreja local deve honrar não somente reconhecendo, mas também remunerando a sua liderança que se afadiga no ensino da Escritura Sagrada (1 Tm 5 :1 7). Ainda, devemos lembrar que a igreja enquanto instituição inserida na sociedade tem necessidades financeiras e precisa de uma fonte que supra os seus compromissos contínuos. O trabalho missionário e de implantação de novas igrejas necessitam que outras comunidades levantem fundos com regularidade, preservando o sustento de pessoas que se dedicam tempo integral, bem como os projetos sociais e educacionais carecem de dinheiro vindo não somente de doações esporádicas, mas de uma fonte contínua.
Alguns textos, por vezes, são citados como texto-prova para favorecer a ideia de que Paulo não ensinava o dízimo, mas uma forma de oferta esporádica. O apóstolo, em algumas de suas epístolas, evoca as igrejas a ofertarem para suprir a crise em que se encontrava a igreja de Jerusalém (1 Co 1 6:2 -3; 2 Co 9:7), sendo que este fato não anula o dízimo, nem o substitui. Questionar a razão do silêncio em seus escritos, e o que o levou a não instruir detalhadamente em suas epístolas as comunidades da nova Aliança quanto ao dízimo, poderia ser deduzido que este assunto não era uma dificuldade, visto serem tratadas nelas assuntos controversos, dúvidas posteriores ou de incompleto entendimento. Não era intenção de Paulo ao convocar as ofertas, negar os dízimos.
O texto de Hb 7:1 -4 recapitula a história de Abraão dando o dízimo a Melquisedeque. O tema principal de Hebreus 7 é a supremacia do novo modelo sacerdotal de Cristo, mas o assunto do dízimo entra por inferência como parte do argumento de que Melquisedeque, um tipo de Cristo, tinha um sacerdócio superior ao do sistema levítico (Hb 7:4), e que por este motivo ele recebeu o dízimo de Abraão. As várias vezes em que neste texto menciona Abraão dando dízimo para Melquisedeque a ênfase recai na sua superioridade e na sua antecedência ao uso cerimonial da lei leivítica, que se tornou transitória, com a vinda de Cristo como o superior sacerdote da ordem de Melquisedeque. A implicação é que se Cristo agora exercendo o seu sumo-sacerdócio e, nós pela fé somos descendentes de Abraão, e como ele “e, aqui certamente tomam dízimos homens que morrem; ali, porém, aquele de quem se testifica que vive” (Hb 7:8). O verso está se referindo às leis relacionadas ao sacerdócio levítico e isto obviamente inclui a lei do dízimo citada nos versos 5 e 1 1 , lei que ordenava a entrega do dízimo aos levitas. Estas leis são mudadas no momento em que Cristo morre, ressuscita e torna-se sumo-sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. Cai o sacerdócio levítico com todas as suas leis e surge um novo modelo sacerdotal que é encabeçado por Cristo e descrito entre os versos 1 3-1 7. Assim, o nosso compromisso de dizimar é em resposta ao superior sacerdócio de Cristo.
CONCLUSÃO
Resumindo, os argumentos são:
1. O dízimo teve origem, não como um ato isolado, mas como uma exigência pactual de Deus como parte da resposta dos seus filhos, que entraram em Aliança com Ele.
2. Como um elemento pactual, o dízimo é evidência de dependência da providência de Deus.
3. Na história da redenção o dízimo teve o seu desdobramento de significado no progresso da revelação da Aliança: adoração, gratidão e fidelidade. Estes são elementos que transcendem ao seu modo e ao contexto em que era obedecido, ou seja, tanto na antiga como na nova Aliança.
4. O dízimo é um mandato moral, e mesmo inserido nas leis cerimoniais e civis, antecedeu e seguiu além deste uso da lei na antiga Aliança. Não há declaração no Antigo Testamento de que o dízimo cessaria, limitando-se aos membros desta dispensação.
5. O Senhor Jesus ratificou aos seus discípulos do dever de dizimar, tendo inaugurado o Reino de Deus, durante o seu ministério e perpetuando a lei moral.
6. O dízimo requer desprendimento da avareza e ao mesmo tempo liberalidade em devolver o décimo requerido, em que somos provados a quem queremos servir (Mt 6:24). Ao dizimar, confirmamos a aliança e as bênçãos prometidas por Deus, em Cristo, o mediador da Aliança (Cl 1 :1 3-23).
7. Não há evidência no Novo Testamento que aponte para a cessação do dízimo.
8. A convocação de Paulo para que as igrejas ofertassem, não requeria em contrapartida que não dizimassem.
9. O silêncio sobre o assunto nas epístolas do Novo Testamento indica a ausência de conflito sobre o assunto, e não a sua cessação.
Por isso, concluo que não devemos olhar o dízimo apenas como o ato de entregar o dinheiro à liderança instituída pelo Senhor, mas como uma atitude de fidelidade, de amor e gratidão pelos benefícios da Sua providência. Deus é fiel à Sua aliança conosco, e não ao que devolvemos sob risco de infidelidade. Ele continuamente cuida de nós, em tudo e em todo momento. Apesar de ser um mandamento, este ato deveria sair de cada um como algo voluntário, dado com prazer e satisfação, jamais como uma pesada obrigação. Pode-se dizer que a contribuição cristã só começa quando damos mais do que um décimo da nossa renda. Alguém disse que o dízimo não deve ser um teto em que paramos de contribuir, mas um piso a partir do qual começamos.
Quando somos fiéis na entrega dos nossos dízimos e ofertas acontecem muitos benefícios. O primeiro benefício envolve a nossa obediência ao mandamento de Deus. A Escritura diz que quando obedecemos a Ele, temos a providência divina manifesta a nosso favor, pois as promessas da Aliança nos acompanham (Dt 28:1 -1 4). Não creio na teologia da prosperidade, mas creio na prosperidade do reino de Deus que vem em consequência à obediência da lei moral. Ela não vem por exigência, ou permuta, mas decorrente das graciosas promessas de Deus Dar um décimo da minha renda não é algo digno de vanglória. Deus desperta a fidelidade nos seus servos para que Ele possa manifestar a Sua graça dentro do Seu reino, não há mérito em nossa obediência, porque como em toda ação virtuosa apenas reagimos à ação do Espírito de Deus em nós (Tg 1 :1 7; Fp 2:1 3). Por isso, ninguém pode argumentar, ou negociar com Deus usando o dízimo, porque dizimar é uma responsabilidade cristã diante de um dever como membro da comunidade da nova Aliança. Não seria exagero concluir que Deus requer o dízimo, merece as ofertas, defende as nossas economias e orienta-nos em nossas despesas. A providência divina está diretamente envolvida em suprir o nosso sustento, de modo que é justo perguntar: se Deus nos desse apenas dez vezes o que Lhe devolvemos, o nosso lar conseguiria viver com isso?

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